sábado, 23 de março de 2013

Rodada paralela


Nos próximos meses, o mercado estará de olho no sigiloso processo de venda dos primeiros ativos offshore de E&P da Petrobras, parte de seu plano de desinvestimento, orçado em US$ 14,8 bilhões. A Brasil Energia Petróleo & Gás teve acesso exclusivo ao conteúdo do processo, que foi dividido em três pacotes distintos, contemplando pequenas áreas exploratórias e os campos de Xerelete, Maromba e todo o Parque das Conchas, que engloba os campos Ostra, Abalone, Argonauta e Nautilus. Todas as áreas estão localizadas na Bacia de Campos, em águas rasas, profundas e ultraprofundas.
Direcionado a um seleto grupo de petroleiras brasileiras e estrangeiras, o processo foi dividido da seguinte forma: um pacote de águas ultraprofundas, que inclui o campo de Xerelete, operado pela Total, e os blocos exploratórios BM-C-14, BM-C-14A, BM-C-35 e BC-30, todos operados pela Petrobras; um pacote de águas profundas, com o Parque das Conchas, que atualmente produz cerca de 36 mil barris/dia de óleo e é operado pela Shell; e o terceiro, de águas rasas, ofertando o campo de Maromba, também operado pela Petrobras.
A venda será feita pelo melhor preço. Para acirrar a concorrência entre os participantes, a Petrobras permitirá a apresentação de ofertas isoladas por ativo, mesmo dentro de um mesmo pacote. No Parque das Conchas, a Petrobras está vendendo toda a sua participação no projeto, ou seja, 35%. Já nos outros dois pacotes a intenção é se desfazer de apenas metade de suas participações – 70% em Maromba, 41,18% em Xerelete e percentuais que variam de 65% a 100% nos ativos exploratórios.

Qualidade técnica

O processo vem aguçando a curiosidade do mercado e surpreendeu positivamente as empresas convidadas, tanto pela confirmação do negócio em si quanto pela qualidade do portfólio ofertado. Ainda acostumada à era Gabrielli-Estrella, a indústria esperava que a Petrobras fosse seguir a linha de supervalorização de seus ativos, disponibilizando uma vasta lista de projetos, com 20 a 30 oportunidades de negócio, mas todas de baixa atratividade. No jargão do mercado, esperava-se a oferta de carne de pescoço a preço de ouro.
Apesar de ter foco em óleo pesado, o portfólio é um upgrade em relação à maior parte dos poucos projetos de E&P disponibilizados à parceria ou à venda desde que o PT assumiu o governo, em 2003. Tecnicamente, os ativos são bons, estão em estágio avançado de implantação, com menor exposição ao risco e sinalizam a garantia de reservas e produção do dia para a noite. Se tratados com prioridade pelos novos sócios, Xerelete e Maromba podem entrar em operação em dois ou três anos.
“Esperávamos uma quantidade maior de projetos, todos de menor economicidade, mas a Petrobras surpreendeu. A empresa parece estar mais racional e menos emocional, comprovando a necessidade urgente de mudar o enfoque da gestão de sua carteira de E&P”, avalia uma fonte do setor.

Chineses em vantagem

Entre os convidados para o negócio estão BP, Chevron, Ecopetrol, OGX, Queiroz Galvão, Repsol, Shell e, é claro, as petroleiras chinesas, como Sinopec, CNOOC e Sinochem. Algumas companhias não convidadas tentavam, até meados de fevereiro, ser incluídas nessa lista.
Capitalizados e declaradamente sedentos por óleo para suprir sua demanda interna, os chineses prometem ser os maiores concorrentes, devendo jogar os preços para cima. Outra aposta é a colombiana Ecopetrol, que vive uma situação financeira bastante confortável e vem buscando aumentar sua atuação na América Latina.
Na era do pré-sal, a indústria pode ser atraída não apenas pelo que já foi descoberto nessas áreas em zona de pós-sal, mas também por arriscar-se em upsides mais profundos, em busca de prêmios novos e maiores.
Apesar de ter demorado a colocar ativos de E&P à venda – a estratégia de desinvestimento foi definida em 2011, no Plano de Negócios 2011-2015 –, a Petrobras quer conduzir o processo a toque de caixa, pressionada pela necessidade premente de assegurar a entrada de recursos financeiros em seu cofre, hoje bem vazio. De acordo com o cronograma estabelecido, os interessados em adquirir os ativos têm até abril para apresentar suas ofertas – ou seja um, mês antes da 11ª rodada da ANP, marcada para 14 e 15 de maio.
Para assessorar a venda dos ativos, a petroleira contratou o Bank of America Merrill Lynch. Internamente, o processo está sendo conduzido pela área de Novos Negócios, ligada diretamente à presidência da petroleira.
Na Petrobras, as palavras de ordem são sigilo e pressa. A meta da diretoria e da área de E&P, segundo fontes da companhia, é conseguir concluir todo o processo entre maio e junho.
A venda será fundamental para apaziguar o problema de caixa da petroleira e garantir novos investimentos. Na área de E&P, por exemplo, a empresa vive o drama de precisar comprar novas áreas nos leilões do governo para recompor sua carteira exploratória, mas não ter dinheiro para isso.
“Os recursos com a venda desses ativos balizarão o apetite da Petrobras nos leilões de novas áreas. Sem esse dinheiro será difícil fechar uma conta de somar”, alerta uma fonte da Petrobras.

Xerelete, um desafio

Entre as áreas oferecidas, a maior incerteza está ligada ao pacote de Xerelete, campo cuja economicidade sempre foi questionada, sendo considerado por muitos como marginal. Localizado em lâmina d’água de 2,5 mil m e com óleo pesado, de cerca de 17o API, o desenvolvimento de Xerelete exigirá uma dose extra de desafio tecnológico.
A própria Petrobras parece ter consciência do “risco” do projeto Xerelete, e por isso decidiu incrementá-lo com a oferta de áreas exploratórias. Passados cinco anos de sua descoberta, o que se diz é que ainda pairam incertezas em relação à capacidade de drenagem do óleo nas condições ali dispostas.

Vale quanto?

Para agentes, venda de ativos na Bacia de Campos pode gerar de US$ 3,5 bilhões a US$ 8 bilhões para a Petrobras.
Há exemplos recentes de tentativas frustradas de venda de ativos em pacote no Brasil. Anadarko, Vale e Sonangol engavetaram temporariamente seus processos por considerarem que as ofertas recebidas não traduziam o valor real de seus ativos. No entanto, no caso da Petrobras, a aposta do mercado é de que a venda gere uma disputa acirrada, sobretudo entre as empresas de grande porte, e coloque na mesa cifras nunca vistas por aqui nesse tipo de negócio.
Em relação a quanto a petroleira poderá embolsar, porém, há opiniões para todos os gostos. Os mais críticos e modestos apostam em cifras de US$ 3,5 bilhões pelos três pacotes, no máximo. Já os mais otimistas arriscam projeções de até US$ 8 bilhões, caso os chineses resolvam fincar novas bandeiras por aqui, prosseguindo a busca desenfreada por óleo para sua demanda interna.
A projeção otimista pode parecer exagerada, mas encontra fundamento em acontecimentos recentes. Em 2010, a Sinochem pagou US$ 3 bilhões à Statoil por 40% do campo de Peregrino. Pouco antes disso, a Statoil havia desembolsado US$ 1,7 bilhão pela compra integral do campo, até então operado pela Anadarko.
Apesar disso, é preciso considerar que os percentuais ofertados pela Petrobras são menores, alguns chegando a pouco mais de 20% – ou seja, quase metade da operação de Peregrino. Outro fator que tornava o campo da Statoil atrativo aos olhos dos chineses é que o projeto contava com upsides bem definidos e seu desenvolvimento já estava todo estruturado.
E se tivesse colocado no mercado o pacote de ativos antes de o governo liberar a retomada dos leilões, a Petrobras teria um cenário mais favorável. Até meados de 2012, quando não havia nenhuma perspectiva de oferta de novos negócios por aqui, o mercado brasileiro estava para lá de aquecido. Qualquer área colocada na mesa era garantia de grandes retornos financeiros.

Sem ameaça

Se em um primeiro momento se pensou que a 11a rodada da ANP acabaria prejudicando a atratividade do road show da Petrobras, as chances de isso acontecer são realmente pequenas. Sem leilões de blocos exploratórios no Brasil há cinco anos, há uma demanda reprimida das empresas por novas oportunidades de negócio no país.
Além do mais, o tipo de negócio ofertado pela petroleira é muito diferente do que se oferece nos leilões. As rodadas de blocos se destinam a empresas que buscam crescimento orgânico no Brasil em médio e longo prazos. Já quem se propuser a disputar o bid da Petrobras quer crescimento imediato.
“São perfis de negócio bem distintos, com interesses diferenciados. O máximo que pode ocorrer é uma restrição de participação, por questões de recursos”, afirma um executivo do setor que prefere não se identificar.

Vários ativos do exterior em oferta

Há processos de venda na Argentina, Colômbia, Peru e EUA, onde estão sendo vendidos todos os ativos exploratórios do Golfo do México
A oferta de ativos de E&P da Petrobras não está limitada ao Brasil. Desde o fim do ano passado, a petroleira negocia vários pacotes de projetos no exterior. Há processos espalhados por Argentina, Colômbia, Peru e EUA, onde estão sendo vendidos todos os ativos exploratórios do Golfo do México. E ao que tudo indica, a Petrobras também está se desfazendo dos campos de Cascade e Chinook, no Golfo do México, atualmente em operação.
As vendas no exterior vêm sendo conduzidas em separado do negócio no Brasil, mas também estão sendo mantidas em sigilo. Embora a coordenação geral do processo esteja a cargo da área de Novos Negócios no Brasil, cada pacote do exterior está sendo conduzido pela área técnica local, contando com o suporte de diferentes bancos. O processo do Golfo, por exemplo, está sendo apoiado pelo Citibank, enquanto o da Argentina tem o suporte do Scotiabank.
A venda de ativos da Petrobras faz parte do plano de desinvestimento da petroleira, que tem por meta concentrar as atividades no exterior apenas na costa oeste da África.
Revista Brasil Energia - Março de 2013

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